Cubatão, 16 de Maio de 2024 - 00:00:00

Será porventura uma UTOPIA?

02/03/2022
Será porventura uma UTOPIA?

 

(*) Maestro Roberto Farias

 

Será porventura uma UTOPIA exigir-se que os Grupos Artísticos de Cubatão: Banda Sinfônica de Cubatão, Banda Marcial de Cubatão, Coral Zanzalá, Grupo Rinascita, Cia. de Dança, Corpo Coreográfico, Coral “Raízes da Serra” e Programa BEC – Banda Escola de Cubatão sejam revitalizados, preservados e conseqüentemente mantidos pelo Poder Público Municipal?

 

Em tempos em que a Cidade vivia sob  o estigma de “Vale da Morte”, alcunha dada pelos meios de comunicação nacionais e internacionais, por ser considerada como a “Cidade mais poluída do mundo” e detentora de um alto índice de anencefalia (crianças nascidas com deformações no cérebro), os Grupos Artísticos figuraram como os mais importantes protagonistas do processo de reconstrução da imagem da Cidade, resistindo a toda sorte de rotulações e impropérios.

 

No início da década de 1970, quando o país se encontrava sob o Regime Militar e a Cidade recém perdia a sua autonomia política, uma vez considerada  Área de Segurança Nacional, abrigando o maior Polo Industrial da América Latina, acontecia, precisamente, a 4 de abril de 1970, o ensaio inaugural da Banda Musical Afonso Schmidt, grupo que deu origem à Banda Musical de Cubatão, instituída pela Lei Municipal n. 1.102, de 20 de setembro de 1977, que viria, mais tarde, se transformar na atual (hoje paralisada) Banda Sinfônica de Cubatão, numa iniciativa do jovem maestro cubatense Roberto Farias, que na época contava com 15 anos de idade.

 

De apoio oficial, somente o instrumental cedido pelo Poder Público Municipal, esse adquirido com objetivo da criação de uma banda municipal, projeto que não se concretizou. Instalada nas dependências do Colégio Estadual “Afonso Schmidt”, o grupo dava os seus primeiros passos, mantendo-se com a contribuição de pais e amigos dos próprios participantes, para a aquisição de acessórios e uniformes, sendo que por vez ou outra, para participação de eventos fora do município, contava com a ajuda do Poder Público Municipal (Executivo e Legislativo) na cessão de transporte, porém em diversas ocasiões essa demanda recaia sobre os próprios integrantes, mesmo desempenhando o nobre papel de representar a Cidade.

 

Após um mês e meio de atividades, precisamente a 30 de maio de 1970, a Banda Musical “Afonso Schmidt” fez a sua primeira apresentação pública durante a Campanha “Ajudei a construir o Hospital de Cubatão”, com um repertório constituído de canções cívicas e populares, cujos arranjos foram integralmente elaborados pelo jovem maestro Roberto Farias.

A partir de então, a Banda Musical “Afonso Schmidt” tornou-se figura obrigatória em todas as festividades cívicas, solenidades e datas comemorativas do Município, como também eventos importantes na Baixada Santista, como Desfiles da Semana da Pátria, Dia do Soldado, Dia do Boqueirão, entre outros. Em 1971, Cubatão marca presença do Campeonato Nacional de Bandas e Fanfarras promovido pela Rádio Record e com apoio institucional da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, classificando-se em 7° lugar nacional, dentre 104 participantes de todo o Brasil.

 

Em 1972, uma breve interrupção em suas atividades, diante da proibição por parte da Direção da  Escola - na ocasião ocupada por militares, de ocupação das dependências da Escola nos finais de semana,  o que a privou da  participação de eventos de grande importância, dentre os quais, do Campeonato Nacional de Bandas e Fanfarras da Rádio Record. O retorno,  no entanto,  ocorreu em razão da solicitação do Poder Executivo,  por meio do Prefeito nomeado para que a Banda Musical Afonso Schmidt recepcionasse o Embaixador de Portugal em visita à Cidade, quando deveria executar os Hinos Nacionais Brasileiro e Português, além do Hino de Cubatão  - o arranjo do hino português teve que ser elaborado em menos de vinte  e quatro horas, tendo como referência apenas uma partitura para canto, sem acompanhamento instrumental e sem acesso à qualquer gravação. A performance dos grupos mereceu os mais altos elogios do Embaixador e sua comitiva.

 

No ano de 1973, a convite da Marinha do Brasil, teve uma participação de destaque nas Comemorações do 108° Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo, ocasião em que executou o Hino Oficial dos Fuzileiros Navais. O ponto alto do evento foi o aceno do Vice-Almirante em exercício do Comando Geral de que o jovem maestro, por suas habilidades musicais, viesse a integrar o corpo de Suboficiais Músicos da Corporação, o que não se concretizou por decisão do jovem músico cubatense que vislumbrava um outro direcionamento à sua vida profissional.

 

Em 1974, portanto, no seu 4° ano de atividades, o grupo deu início ao seu apogeu conquistando o seu primeiro prêmio máximo, o de Campeã Absoluta Santista no Concurso Estudantil de Bandas é Fanfarras promovido pelo Jornal A Tribuna, merecendo críticas e elogiosas da imprensa local e de revistas internacional, pelo seu uniforme inspirado na Guarda Republicana Francesa e repertório baseado na Banda Marcial Real Britânica. A partir daí, várias outras conquistas, culminando com a sua oficialização através da Lei Municipal n.  1.102, de 20 de setembro de 1977,  passando a denominar-se Banda Musical de Cubatão,  que se tornaria a atual  (hoje paralisada) Banda Sinfônica de Cubatão  até ascender ao status de “hors-concours”, ao atingir o nível de premiação máximo na sua modalidade.

 

Tudo isso viria a ser a grande motivação para o surgimento dos demais Grupos Artísticos,  tais como o Grupo Rinascita,  Coral Zanzalá, Banda Marcial de Cubatão e seu Corpo Coreográfico Cia. de Dança, Coral Raízes da Serra (3ª. Idade) e do Programa BEC – Banda Escola de Cubatão,  responsável pela formação musical e artística de centenas de músicos instrumentistas, cantores. Graças ao potencial artístico demonstrado por esses Grupos,  Cubatão passou a ser referência no cenário nacional e com grande repercussão internacional, incluindo participações em eventos de envergadura em países como Portugal,  Áustria, Chile e Estados Unidos, que lhe renderam premiações importantes.

 

Várias das principais orquestras e conjuntos sinfônicos brasileiros têm em seus quadros artistas revelados e  formados na Cidade, assim como nas Universidades Públicas e Privadas, docentes, entre mestres e doutores. Por sua vez, vários regentes e compositores enaltecem o nome da nossa Bem-Amada Cubatão,  atuando brilhantemente no Brasil e no Exterior. Tudo isso graças ao efetivo investimento do Poder Público Municipal ao longo de cinco décadas.

 

Paralisados oficialmente há mais de três anos, por força de uma ADIN  - Ação Direta de Inconstitucionalidade do Ministério Público do Estado de São Paulo,  que declarou inconstitucional a Lei n. 3232, de 4 de abril de 2008, não ao que tange ao funcionamento dos Grupos Artísticos,  mas quanto à forma de remuneração dos seus integrantes, não houve por parte dos Poderes Municipais (Executivo e Legislativo) nenhuma ação efetiva ocorreu no sentido de reverter esse quadro,  desconsiderando esse importante legado histórico e cultural de meio século, muito caminhos à luz da legislação tenho sido apontados pela própria Procuradoria Jurídica do Município.

 

Diante da interpelação do Ministério Público do Estado de São Paulo,  provocada por uma representação impetrada em outubro de 2021 por membros dos Grupos Artísticos, invocando o cumprimento da Lei Municipal n. 3944, de 9 de outubro de 2018  que declara Patrimônio Cultural Imaterial os Grupos Artísticos de Cubatão e sancionada pelo atual Prefeito em sua primeira gestão,  o Poder Executivo Municipal argumenta em sua defesa o fato de que o texto da referida Lei “não prevê o repasse de recursos financeiros aos Grupos Artísticos”, alegação amplamente acatada pelo Douto Ministério Público.

Teria essa “omissão” ocorrido de forma intencional?

 

(*) Maestro Roberto Farias (Coordenador dos Grupos Artísticos de Cubatão)

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Aguarde..