Cubatão, 16 de Maio de 2024 - 00:00:00

Larissa...

13/09/2023
Larissa... João H.

JOÃO H. 

Larissa se preparava para dormir, abriu seu armário, olhava as tantas opções de lençóis escolhendo qual iria acompanhá-la no mundo dos sonhos àquela noite, o de cor rosa era irresistível. O cobertor era grosso o suficiente para a proteger do ambiente polar em que ficava seu quarto durante a madrugada, só não do nariz congestionado logo de manhã.

 

Deita na cama e percebe que tudo está escuro em demasiado, tanta falta de luz lhe causava uma sensação estranha, como se as paredes estivessem a esmagando pouco a pouco. Por isso, comprara recentemente um novo abajur, bem pequeno, o conectava em uma tomada na parede ao lado de sua cama. Na verdade, nem Larissa sabia se podia chamar aquilo de abajur, talvez tivesse uma visão muito romantizada sobre eles, por enquanto, devesse chamar o aparelho como uma "lanterna de parede".

 

Abaixo de onde ficava a tomada, ao lado de sua cama, também era o lar de sacos de brinquedos e outras quinquilharias para doações que estavam se amontoando. Ali, no meio daquele emaranhado, deveria ter o dinheiro suficiente para a compra de outro abajur bem maior, só em moedas que ali caíram e nunca mais foram vistas. E com a lanterna de parede, não foi diferente. Larissa não a segurou direito e a bendita se afundou em um local certeiro na montanha de coisas, sumindo no abismo.

 

Na escuridão do quarto, seria impossível encontrá-la, a menina levanta da cama com preguiça e liga a luz do quarto. Seria um trabalho asqueroso, mexer naquele emaranhado de coisas empoeiradas seria um desafio e com certeza depois ainda teria de ir no banheiro para lavar as mãos, o que poderia acordar sua irmã, que dormia no quarto ao lado e era um bebê, com a porta que rangia como uma ópera ao abrir. Remexeu um brinquedo velho pra lá, uma ferramenta desgastada do pai para cá, e finalmente, avistou a lanterna. Porém, em seu braço empoeirado sentiu algo estranho, como se fossem pequenas patas subindo por ele, era uma barata.

 

O grito parou na garganta e não saiu, seu braço estático servia de rampa para o inseto, até que ele, em um pulo, voou para a parede. Larissa foi sem pensar correndo do local diretamente para o banheiro, nem se preocupando com a porta que rangia, o que fez com que sua irmãzinha acordasse chorando em uma intensidade que aumentava gradualmente. Larissa enxaguou o braço abundantemente, nunca havia gastado tanto sabão em uma parte do corpo, seu pai tinha saído do quarto para acalmar a criança falando em tom rude com a filha, repetindo pela milionésima vez para ser mais cuidadosa com ruídos. A menina disse sobre a barata em seu quarto e que não conseguiria dormir com ela lá, portanto, seu pai lhe pediu que desse uma noite de estadia para o inseto que resolveriam a situação de manhã, assim, Larissa teria de dormir no sofá da sala.

 

O sofá da sala, de dia um sofá, de noite um antro de pesadelos. Um cabideiro de chão ficava próximo à porta, segurava um casaco grosso de sua mãe que insistia em exibi-lo ali a que no guarda roupa espaçoso, e um chapéu que pertencia ao seu avô, que a família também deixara ali como uma recordação. A silhueta desse conjunto, no escuro, formava uma figura estranha, desajeitada. Seu pai acalmara a bebê e voltara ao quarto, tudo ficou em um absoluto silêncio novamente. Larissa mudou-se para o sofá da sala. Independente da posição em que se alongasse, na companhia do cabideiro de chão, do vento moderado que assobiava na janela e com apenas a luz da lua, não pegava no sono.

 

A partir daí, tentou mais outras técnicas milenares. Cobrir os pés como uma proteção contra espíritos, dormir de bruços, de cabeça em todas as posições possíveis, em forçar os olhos fechados, mas suas pupilas insistiam em ficar atentas ao cabideiro. Dormir com seus pais? Seu complexo de maioridade não permitia. Pois, tinha quase certeza de que sua mãe guardara um remédio para insônia em um dos armários na cozinha. Remexera entre as outras tantas medicações cautelosamente para não fazer barulho, achou duas embalagens vermelhas lado a lado. Eram parecidas, mas comprimidos diferentes. Escolheu o da direita, tomou-o e voltou ao sofá.

 

Minutos se passaram, nenhum sinal de sonolência, mas em compensação, sua barriga começou um rebuliço. A sensação de uma serpente percorrendo seu intestino aumentou rapidamente e voltou ao banheiro, dessa vez, diretamente ao trono. Nenhuma força de cachoeira superaria àqueles jatos, e nesse ritmo se seguiu, até brilhar os raios de Sol na janela do banheiro. A manhã estava calma, seus pais acordaram logo cedo.

 

Larissa já estava melhor do estômago, assim, conseguiu disfarçar o acontecido, porém, morrendo de cansaço. Sua mãe foi direto para a cozinha preparar o café, e seu pai, resolver o caso da lanterna desaparecida, colocou a mão no monte de tralha como um explorador de tesouros perdidos e a encontrou com uma facilidade do detetive Holmes. Larissa também perguntara sobre a barata, seu pai a encontrou no canto da parede, de barriga para cima e com as primeiras formigas em volta.

Com esse fato, Larissa comemorou se esticando no sofá definitivamente e trocando o dia pela noite.

JOÃO H. é escritor cubatense

 

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