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A engenharia de guerra

02/03/2022
A engenharia de guerra

 

Por: José Manoel Ferreira Gonçalves

 

Existe uma imbricação óbvia e muito direta entre a engenharia e a guerra. Seja pela engenharia utilizada na própria guerra, seja pelas obras de engenharia destruídas no conflito, seja pelas oportunidades da engenharia na reconstrução dos países. Aliás, a obra da Nord Strem 2, que multiplicaria o volume de gás que a Rússia poderia mandar para o resto da Europa, é central no conflito atual mais evidente, o da invasão da Ucrânia pelas forças Russas.

 

Há muitas outras guerras em marcha, como a do Iêmen, a da Síria, os bombardeios dos estadunidenses na Somália etc., mas como não envolvem interesses antagônicos de superpotências em litígio, acabam desaparecendo dos noticiários. Importa atentar aqui para a importância da classe de engenheiros, e de todos os cidadãos brasileiros, independentemente da bandeira ideológica que ostentem, tomarem conhecimento e posição no conflito que lamentavelmente avança neste momento, seja pelo que nos atinge diretamente nas questões da economia, notadamente o agronegócio, que se abastece de fertilizantes vindos da Rússia, seja pela questão humanitária envolvida.

 

Na condição de um dos Coordenadores do Movimento Engenheiros Pela Democracia, em nome do grupo gostaria de consignar inicialmente nosso mais alto apreço pela paz, pelo desenvolvimento e pela justiça social. A função da política é a de substituir a guerra, e uma guerra só é deflagrada quando a classe política falha. Ao perscrutar sobre qual seria a atividade mais nobre que um ser humano poderia desenvolver, Aristóteles aponta, em sua Ética a Nicômaco, justamente a atividade política, talvez por esta atividade ser realizada em prol de muitos e não em prol de si mesmo.

 

É fato que há homens que usaram a política em prol de si, mas isso não muda o caráter da atividade como um todo. Aliás, generalizações precipitadas costumam envolver petição de princípio ou erro lógico. Recentemente ouve-se falar muito da guerra híbrida, ou seja, da guerra que usa outros tipos de armas, em substituição ou em conjunto com as armas tradicionais. A arma mais usada pelos países imperiais para atacar um país que se quer menor, menos desenvolvido, é exatamente a desqualificação generalizada da classe política deste país. Isso foi usado na Ucrânia em 2014, e no Brasil em 2016.

 

O paralelismo é chocante. O enredo é quase o mesmo: derruba-se o governante eleito pelo povo que é pouco alinhado aos EUA, coloca-se um chefe de estado alinhado e a serviço do império usurpador, e aí elege-se um desqualificado, se possível um comediante, para deixar clara a humilhação do país, para manter governar o país local em função dos interesses do patrono da América do Norte. Infelizmente, e como dói reconhecer, o atual presidente do Brasil se tornou conhecido de toda a gente como um comediante, participando de programas televisivos de entretenimento.

 

O excelente livro Engenheiros do Caos explicita à perfeição o procedimento e isso não relatando o caso brasileiro ou ucraniano, mas o caso italiano, do Movimento Cinco Estrelas. Fica a dica de leitura, mas o cito para que entendamos que esse processo está se espalhando pelo mundo, inclusive a Europa, claro que adequado a cada caso. O livro Arapuca Estadunidense mostra o paralelismo entre o que o Departamento de Justiça e o Departamento de governo americanos fizeram no caso da Lava Jato no Brasil, e da Alston na França, assim como a Itália, uma potência europeia.

 

Uma coisa é o necessário combate à execrável corrupção e devida punição aos corruptos, outra coisa é o que se tem feito em nome desse combate. Para tanto basta um passar d’olhos pela Vaza Jato, ou pelo caso Alvarez & Marsal. Tragicamente, o paralelismo entre o que aconteceu na Ucrânia nos últimos oito anos, e o que acontece no Brasil, nos últimos seis, não se restringe a guerras de informações e presidentes fantoches.

 

Desgraçadamente, aqui e lá os grupos nazistas saíram do esgoto, no Brasil os núcleos neonazistas se multiplicaram por três apenas nos dois últimos anos. Isso não significa que teremos o mesmo destino da Ucrânia, são realidades muito distintas, mas que somado aos avanços das milícias e o armamento desenfreado deve nos colocar em alerta, para que possamos agir dentro das instituições democráticas, e nunca tenhamos de recorrer ao horroroso expediente da luta armada. Atentemos ao que escreveram sobre o tema de fascismo de massas Adorno, Reich, Freud, Umberto Eco e outros notáveis que o experimentaram em vida.

 

A boa política é que tem as reais condições de enfrentar os interesses comerciais e financeiros dos conglomerados empresariais, colocando-os abaixo dos interesses humanitários. A finalidade precípua da política é a vida, a da guerra é a morte. É ela quem pode criar diálogos construtivos, evitando as atrocidades. E é para o bom exercício da política que vale a luta pela real democracia no mundo.

 

Jornalista e advogado, José Manoel é doutor em Engenharia, com foco em ferrovias, e pós-graduado em ciências políticas. Um dos coordenadores do Movimento Engenheiros pela Democracia.

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